O aumento expressivo dos casos de miopia em crianças tem chamado a atenção de oftalmologistas e pesquisadores no Brasil e no mundo. Dados recentes apontam que a prevalência da condição entre crianças e adolescentes brasileiros de 3 a 18 anos é de aproximadamente 7,6%, com taxas que chegam a 20,4% em áreas urbanas e apenas 1,06% em comunidades rurais, como quilombolas. No cenário global, estima-se que uma em cada três crianças já seja míope, com projeções indicando que esse número pode alcançar 40% da população mundial até 2050.
Entre os principais fatores de risco estão a hereditariedade (filhos de pais míopes têm maior chance de desenvolver a condição), o uso excessivo de dispositivos eletrônicos, o tempo prolongado em atividades de leitura ou escrita de perto sem pausas adequadas, e a baixa exposição à luz natural. Em contrapartida, estudos demonstram que passar mais tempo ao ar livre é uma medida eficaz de prevenção, retardando o surgimento ou agravamento da miopia.
Atualmente, os tratamentos disponíveis vão além do uso convencional de óculos. Entre as abordagens estão os colírios de atropina em baixa concentração, que têm mostrado eficácia na redução da progressão da miopia com menos efeitos colaterais. Lentes especiais, como as lentes DIMS e MiSight, também têm se destacado ao reduzir significativamente o avanço do grau e o alongamento axial do globo ocular. A ortoceratologia, conhecida como Orto-K, utiliza lentes de contato rígidas durante a noite para remodelar temporariamente a córnea e apresenta resultados positivos em crianças com miopia progressiva. Além disso, a combinação de métodos como colírios e lentes específicas têm se mostrado ainda mais eficientes no controle da condição.
A Dra. Juliana Goulart, oftalmologista e membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica Ocular, reforça a importância do diagnóstico precoce, do fator genético e do acompanhamento oftalmológico regular. “Temos observado em nosso consultório que casos de miopia estão sendo diagnosticados em idades cada vez mais precoces. Isso reforça o papel crucial de um acompanhamento oftalmológico desde os primeiros anos de vida. Quanto mais cedo for identificada a tendência de progressão, maior a chance de aplicar intervenções que retardam o avanço do grau”, destaca a médica. Ela ressalta ainda que não existe um único tratamento ideal para todas as crianças, sendo necessário avaliar fatores como idade, grau inicial, ritmo de progressão, condições de uso e contexto socioeconômico da família. “Muitas vezes uma combinação de métodos traz resultados superiores”, afirma.
Além das intervenções clínicas, a Dra. Juliana alerta para a importância de mudanças comportamentais que devem ser incentivadas tanto em casa quanto na escola. Limitar o tempo de exposição às telas, promover atividades ao ar livre e garantir intervalos regulares durante os estudos são medidas simples, porém eficazes, que podem fazer diferença no controle da miopia. “Essas mudanças complementam os tratamentos médicos e muitas vezes não são valorizadas o suficiente”, observa.
Apesar dos avanços, o controle da miopia enfrenta desafios importantes no Brasil, como o acesso desigual aos tratamentos mais modernos, que ainda têm custo elevado. Há também a necessidade urgente de criação de protocolos padronizados e adaptados à realidade brasileira, bem como mais estudos locais que levem em conta fatores étnicos, ambientais e comportamentais específicos da população.
A miopia infantil, que por muito tempo foi vista apenas como uma questão estética ou de correção visual, hoje é considerada uma questão de saúde pública. Quando não controlada, pode levar a complicações graves na idade adulta, como catarata precoce, descolamento de retina e glaucoma. Por isso, o controle da progressão desde cedo é fundamental. Como conclui a Dra. Juliana Goulart, “o futuro visual de muitas crianças depende de decisões tomadas nos primeiros anos: diagnosticar cedo, intervir com segurança e seguir de perto a evolução é o caminho para garantir qualidade de visão ao longo da vida”. Podcast edinhotaon/ Edno Mariano