Fim de ano também pode doer: psicóloga explica o luto das expectativas e alerta para impacto na saúde mental

 

Nem todo encerramento é vitória, segundo a especialista em luto Natália Aguilar, reconhecer frustrações e limites é essencial para atravessar o período com mais cuidado e menos culpa

O fim do ano costuma ser associado a comemorações, balanços positivos e metas cumpridas. No entanto, para muitas pessoas, esse período carrega um peso emocional significativo, marcado por frustrações, sensação de vazio e cobranças internas. A psicóloga Natália Aguilar, especialista em luto, chama atenção para um fenômeno pouco falado, mas bastante comum, o luto das expectativas.

Segundo a especialista, o final do ano concentra uma carga simbólica intensa. Existe a ideia de fechamento, de que tudo precisa estar resolvido, organizado e bem-sucedido. “Parece que a gente tem que fechar o ano cumprindo tudo aquilo que se programou. Quando fazemos esse balanço e a conta não fecha, surgem sentimentos de frustração, vazio e até culpa”, explica.

Natália destaca que muitas pessoas são atravessadas por expectativas criadas no início do ano, como mudar de vida, alcançar objetivos, resolver problemas ou simplesmente ser feliz. Quando essas expectativas não se concretizam, o sofrimento aparece. “O que muita gente não percebe é que isso também é um tipo de luto, o luto daquilo que foi imaginado, planejado e desejado, mas que não aconteceu.”

Esse tipo de luto, segundo ela, nem sempre é reconhecido socialmente, o que faz com que o sofrimento seja silenciado. Ainda assim, o impacto na saúde mental é real. “Ele afeta diretamente a saúde emocional, porque coloca a pessoa em um estado constante de cobrança e frustração”, afirma.

Para a psicóloga, lidar com esse luto começa pelo reconhecimento. As expectativas fazem parte da relação com o futuro, mas quando não se realizam, não devem ser automaticamente interpretadas como fracasso pessoal. “Às vezes, isso só significa que a vida seguiu por outros caminhos, que não estavam sob o nosso controle”, pontua.

Natália alerta que a cobrança excessiva tende a intensificar o sofrimento. Ressignificar esse luto não significa negar a dor ou adotar uma postura de positividade forçada. “Não é sobre fingir que está tudo bem. Ressignificar é olhar para o que foi vivido com mais honestidade e menos julgamento, entendendo que aquilo foi o possível naquele momento.”

Nesse processo, reconhecer perdas e limites é tão importante quanto valorizar pequenas conquistas, que muitas vezes passam despercebidas no cansaço emocional típico do fim do ano. “Às vezes, o maior avanço foi sobreviver, persistir, pedir ajuda ou simplesmente estar presente nos dias difíceis”, ressalta.

A especialista também chama atenção para a ideia equivocada de que o final do ano precisa, necessariamente, ser celebrado como uma vitória. “Nem todo mundo vai comemorar. Para algumas pessoas, esse período marca encerramentos dolorosos, lutos, rupturas e decepções. É importante se permitir sentir isso, sem a obrigação de transformar tudo imediatamente em aprendizado.”

Para Natália, os processos humanos não seguem o calendário. O ano termina, mas os sentimentos continuam. “Ressignificar o luto das expectativas envolve flexibilizar a ideia de sucesso, ampliar o olhar sobre o que é possível e aceitar que alguns projetos precisam de mais tempo”, explica.

Ela reforça que atravessar o fim do ano com mais leveza passa por um olhar compassivo sobre si mesmo. “Esse período pede menos culpa, mais cuidado e mais generosidade consigo. Nem tudo precisa estar resolvido agora, e está tudo bem.”

O tema ganha relevância especialmente em um momento em que a saúde mental tem sido cada vez mais debatida, mas ainda enfrenta estigmas quando envolve frustração, luto e sofrimento que não são visíveis. Para Natália Aguilar, falar sobre isso é uma forma de ampliar a escuta e validar dores que muitas pessoas carregam em silêncio. Podcast edinhotaon/ Edno Mariano

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