Com base em estudos de engenharia e ecologia, rodovias goianas recebem estruturas para evitar atropelamentos de animais silvestres e proteger motoristas
O avanço da infraestrutura rodoviária no Brasil enfrenta um desafio estatístico alarmante: cerca de 475 milhões de animais são atropelados todos os anos nas estradas do país, em sua maioria sapos, cobras e pequenas aves. O número é uma estimativa do Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE).
Em resposta a esse cenário, as obras sob gestão do Instituto para o Fortalecimento da Agropecuária de Goiás (IFAG), em parceria com o Governo de Goiás, estão implementando um novo padrão de engenharia que vai além da pavimentação: a criação de corredores de biodiversidade que protegem tanto a vida silvestre quanto os motoristas.
Rodovias como a GO-178, GO-180, GO-461 e GO-147 estão recebendo dispositivos de proteção à fauna projetados sob medida. O objetivo não é apenas evitar o acidente imediato, mas combater um problema invisível: o isolamento genético das populações. Segundo especialistas, ao reconectar habitats fragmentados, essas estruturas permitem que grupos de animais voltem a se encontrar, garantindo a variabilidade genética necessária para a sobrevivência das espécies a longo prazo.
*A ciência por trás da travessia*
A localização de cada passagem de fauna não é aleatória. Segundo Guilherme Teles, Engenheiro Ambiental e de Segurança do Trabalho que atua nas obras do IFAG, a decisão nasce de uma avaliação técnica que funde engenharia e ecologia. “O processo inclui a análise do uso do solo e inventários que identificam os trajetos preferenciais de deslocamento, além de áreas de migração e reprodução”, explica.
Essa precisão define o tipo de estrutura:
Para quem vive no alto: espécies arborícolas, como primatas e marsupiais, recebem passagens aéreas (pontes de dossel) que permitem a travessia sem descer ao solo;
Para grandes mamíferos: capivaras e cervos utilizam galerias inferiores amplas e rampas secas.
Fauna aquática: quando a estrada cruza rios, o leito e a inclinação são adaptados para permitir a migração de peixes e anfíbios.
*O desafio pós-obra*
Um diferencial importante abordado nos projetos atuais é o reconhecimento de que a estrutura de concreto, sozinha, não resolve o problema. É necessário gerenciar o comportamento tanto dos animais quanto dos humanos.
As obras incluem as chamadas “mitigações comportamentais”. Isso envolve desde a redução de velocidade em pontos críticos até ações educativas com as comunidades vizinhas e o uso de dispositivos refletivos para afugentar animais da pista. Além disso, cercas-guia de no mínimo dois metros de altura, parcialmente enterradas, são instaladas para conduzir fisicamente os animais até a entrada do túnel ou ponte.
Contudo, a eficácia desses sistemas depende de uma manutenção rigorosa. Teles alerta que problemas como o assoreamento de túneis ou danos nas cercas podem comprometer totalmente a funcionalidade. “Até a vegetação que orienta os animais até o ponto de travessia precisa ser preservada. Por isso, é necessária uma programação de manutenção preventiva”, destaca o engenheiro.
Para que tudo isso funcione, o IFAG conta com uma atuação interdisciplinar complexa nos bastidores. A equipe é composta médicos-veterinários, responsáveis pelos protocolos de manejo e socorro aos animais; biólogos, que conduzem o monitoramento científico para gerar indicadores de eficiência; e engenheiros (civis, ambientais e florestais), focados no dimensionamento hidráulico e estrutural.
*Sustentabilidade além da fauna*
A preocupação ambiental nas obras geridas pelo IFAG se estende à própria rotina do canteiro de obras. A construção sustentável exige controle de erosão e drenagem para proteger rios e nascentes, além de rigoroso gerenciamento de resíduos com rastreabilidade.
Há também um cuidado direto com a população do entorno: medidas são adotadas para reduzir a emissão de poluentes, ruídos e poeira, garantindo a saúde das comunidades locais.
Ao integrar dados do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) — que já monitora mais de 1,4 mil passagens em nível federal — com as inovações estaduais, Goiás se posiciona como referência. Obras como as da GO-118 e GO-239, na Chapada dos Veadeiros, já servem de modelo. Agora, com a expansão dessas práticas para novas rodovias, o estado demonstra que a engenharia moderna é aquela que entende que o caminho mais seguro é aquele que respeita quem já estava lá antes da estrada chegar.
*Estimativas de atropelamento de animais silvestres*
Por ano, 475 milhões de animais selvagens são atropelados nas rodovias brasileiras, de acordo com o Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE), ligado à Universidade Federal de Lavras (UFLA). Significa 15 animais por segundo e 1,3 milhão por dia.
A maior parte dos animais selvagens mortos por atropelamentos são pequenos vertebrados, como sapos, aves e cobras. Outros 43 milhões são representados pelos animais de médio porte, como macacos, lebres e gambás. A menor parte (aproximadamente dois milhões de mortes) está relacionada aos animais de grande porte, como lobos, onças e capivaras.
Legenda/Crédito:
Passagens de fauna evitam atropelamentos de animais silvestres e protegem motoristas . Podcast edinhotaon/ Edno Mariano